A Batalha de Aljubarrota decorreu no final da tarde de 14 de agosto de 1385 entre tropas portuguesas com aliados ingleses, comandadas por D. João I de Portugal e o seu Condestável D. Nuno Álvares Pereira, e o exército castelhano e seus aliados liderados por D. João I de Castela. A batalha deu-se no campo de São Jorge, na localidade de S. Jorge, pertencente à freguesia de Calvaria de Cima, concelho de Porto de Mós, nas imediações da vila de Aljubarrota, entre o referido concelho e Alcobaça.
O resultado desta batalha épica foi uma derrota definitiva dos castelhanos, o fim da crise de 1383-1385 e a consolidação de D. João I como rei de Portugal, o primeiro da Dinastia de Avis. A aliança luso-britânica saiu reforçada desta batalha e seria selada um ano depois, com a assinatura do Tratado de Windsor e o casamento do rei D. João I com D. Filipa de Lencastre. Para agradecer a vitória na Batalha de Aljubarrota, D. João I mandou edificar o Mosteiro da Batalha. A paz com Castela só viria a ocorrer em 1411 com o Tratado de Ayllón, ratificado em 1423.
A Batalha de Aljubarrota foi uma grandes batalhas campais da Idade Média entre dois exércitos régios e um dos acontecimentos mais decisivos da história de Portugal. Inovou a tática militar, permitindo que homens de armas apeados fossem capazes de vencer uma poderosa cavalaria. No campo diplomático, permitiu a aliança entre Portugal e a Inglaterra, que perdura até hoje. No aspeto político, resolveu a disputa que dividia o reino de Portugal do reino de Castela e Leão, abrindo caminho a uma das épocas mais marcantes da história de Portugal, a era dos Descobrimentos.
Diretamente associada à vitória dos portugueses nesta batalha, celebrizou-se a figura lendária da heroína Brites de Almeida, mais conhecida como a "Padeira de Aljubarrota", que com a sua pá terá matado sete castelhanos que encontrara escondidos no seu forno.
Batalha de Aljubarrota
Contexto político anterior à Batalha de Aljubarrota:
Após o reconhecimento do reino de Portugal e de D. Afonso Henriques como seu monarca, em 1179, pelo Papa Alexandre III, através da bula "Manifestis probatum est", Portugal experimentou, nos dois séculos seguintes, um crescimento significativo, tanto em termos geográficos, como económicos e demográficos.
Quando, em 1367, D. Fernando subiu ao trono encontrou o reino numa situação relativamente desafogada. Contudo, envolveu-se em três malogradas guerras com Castela e deixou-se influenciar pela rainha D. Leonor Teles e os seus partidários, lançando o País numa situação economicamente delicada e numa grave crise política. No final do reinado de D. Fernando, o tesouro régio estava depauperado. Em consequência, preços estavam sempre a subir, afetando o nível de vida dos portugueses.
Após a terceira guerra com Castela, em 1382, D. Leonor Teles, o Conde João Fernandes Andeiro e muitos nobres entenderam que uma união com Castela seria a melhor forma de acautelar os seus interesses e de terminar com um secular conflito entre os dois reinos, colocando-os sob a mesma família real. Desta forma, promoveram a assinatura do Tratado de Salvaterra de Magos, a 6 de abril de 1383, no qual se previa o casamento de D. Beatriz, a única filha de D. Fernando e de D. Leonor Teles, com D. Juan I de Castela, que enviuvara no início desse ano. Segundo este Tratado, D. Leonor Teles, após a morte de D. Fernando, seria a regente da Coroa Portuguesa até que D. Beatriz tivesse um filho varão e este atingisse os 14 anos. A Coroa Portuguesa passaria então a pertencer aos descendentes do Rei de Castela, passando a capital do Reino para Toledo. Esta situação significava que o Reino de Castela iria inevitavelmente dominar Portugal. O casamento real teve lugar em maio de 1383, nas povoações raianas de Elvas (a 14 de maio) e de Badajoz (a 17 do mesmo mês).
Quando D. Fernando morreu, a 22 de outubro de 1383, a situação que se criou, decorrente do Tratado de Salvaterra de Magos, provocou mal-estar e não agradou a um largo setor da nobreza de Portugal. Nesta altura destacava-se, na corte portuguesa, João Fernandes Andeiro, um galego que apoiara o sonho expansionista de D. Fernando e que contribuíra para a elaboração do Tratado de Salvaterra. Muitos afirmavam também que era amante de D. Leonor Teles. O Conde Andeiro era um mestre da política internacional e manobrava habilmente os interesses e as emoções de D. Fernando e de D. Leonor. Após a morte de D. Fernando, tornou-se o principal conselheiro de D. Leonor.
Um largo setor da sociedade portuguesa entendia que o Infante D. João, meio-irmão de D. Fernando e filho de D. Pedro I e de D. Inês de Castro, teria direito ao trono. Um grupo minoritário defendia, no entanto, as pretensões ao trono de D. João, Mestre da Ordem militar de Avis e filho bastardo de D. Pedro I.
Após alguma hesitação, o Mestre de Avis matou o Conde João Andeiro nos Paços da Rainha, a 6 de dezembro de 1383. Conhecido este facto, rapidamente se alargou o número de apoiantes do Mestre de Avis, sobretudo nas maiores cidades do reino, como Lisboa. Com efeito, ao ter conhecimento desta notícia, o povo de Lisboa amotinou-se e proclamou D. João, Mestre de Avis, como "Regedor e Defensor do reino". No resto do país, muitos dos nobres e alcaides de castelos, em obediência ao contrato de Salvaterra de Magos, continuavam, contudo, a respeitar a rainha D. Leonor Teles e a aceitar a sua autoridade. Gerou-se assim uma grave crise política, cujo desfecho estava ainda longe de se poder descortinar.
Causas da crise de 1383 a 1385:
Analisando a crise política de 1383 a 1385 em maior profundidade, é possível referir que vários fatores políticos, económicos e sociais estiveram na sua origem.
A primeira razão que podemos apontar para esta crise, residiu nas divisões e rivalidades existentes entre a nobreza portuguesa. Com efeito, desde o reinado de D. Afonso IV, que se iniciou em 1325, que se estava a operar uma profunda recomposição da alta nobreza, ou seja, das famílias nobres que frequentavam normalmente a corte e que beneficiavam prioritariamente de favores régios, como a atribuição de títulos ou a concessão de recompensas. Esta alta nobreza, aquando da morte de D. Fernando, era quase que exclusivamente composta por famílias de exilados castelhanos e galegos, como os Castros e sobretudo os Teles, que desde o reinado de D. Afonso IV se haviam refugiado em Portugal devido às guerras civis em Castela. Estas famílias foram progressivamente ganhando influência e poder dentro da corte portuguesa, sobretudo pela mão de D. Pedro I e, mais tarde, por D. Leonor Teles.
Porém, havia também um grande número de famílias antigas, de pequena e média nobreza, que tinha perdido progressivamente o seu poder e que se encontrava naturalmente descontente. Esta situação foi geradora de tensões e mal-estar, que favoreciam o desejo de alterações profundas dentro de várias famílias da nobreza portuguesa. Este descontentamento teve uma clara oportunidade de se expressar quando D. Leonor Teles e os seus aliados começaram a defender uma solução política para Portugal que consistia na perda de independência. Esta solução não só era discutível legalmente, como era sobretudo do desagrado da grande maioria da população portuguesa.
D. Leonor Teles não tinha apenas do seu lado a alta nobreza. Estavam também alguns nobres que obtiveram de D. Leonor postos de confiança, como os alcaides de castelos, ou de deverem os seus laços matrimoniais a D. Leonor. Eram disso exemplo Martim Gonçalves de Ataíde, alcaide do castelo de Chaves, Pedro Rodrigues da Fonseca, alcaide do castelo de Olivença, João Afonso Pimentel, senhor de Bragança, Fernão Gonçalves de Meira, alcaide do castelo de Torres Vedras, Fernão Gonçalves de Sousa, alcaide do castelo de Portel ou Gonçalo Vasques de Azevedo. Pelas relações pessoais que estabeleceram com D. Leonor Teles, estes nobres ser-lhe-ão sempre fiéis e defenderão os seus castelos contra D. João I, em muitos casos até depois da Batalha de Aljubarrota.
Todas estas contradições e tensões sociais existentes entre a nobreza portuguesa se agudizaram após a morte de D. Fernando, que não deixou nenhum filho herdeiro. Do lado de D. Leonor Teles estavam, assim, todos os interessados na manutenção da situação política e económica vigente; enquanto que do lado do Mestre de Avis se encontravam todos os que pretendiam uma profunda alteração.
De referir, no entanto, que existia também um importante número de famílias da nobreza tradicional portuguesa que não se sentia identificada com nenhuma das duas fações. Por esta razão, adotou uma posição neutra ou de apoio ao Infante D. João, filho de D. Pedro I, então preso em Castela por ordem de D. Juan de Castela. Encontravam-se neste grupo as famílias Pacheco, Cunhas, Coelhos ou Coutinhos. Com o evoluir da crise política, a partir de 1383, estas famílias foram adotando diferentes posições, consoante o desenrolar dos acontecimentos políticos e militares.
É também importante referir outro grupo social que se encontrava claramente descontente. Eram os filhos não primogénitos e bastardos, pois desde há muitos anos que se viam afastados do acesso ao património familiar devido às regras sucessórias existentes. Esta situação fez com que muitos membros de famílias portuguesas optassem por carreiras dentro das Ordens Militares, uma forma de promoção social e de acesso à nobreza. Exemplos de famílias onde, por estas razões, muitos dos seus membros se especializaram na arte da guerra, eram os Leitões, os Teixeiras, os Carvalhos, os Barretos e obviamente os Pereiras, onde se incluía Nuno Álvares Pereira. Estes membros de famílias portuguesas aderiram na sua quase totalidade à causa do Mestre de Avis, por verem neste partido a forma mais evidente de adquirirem direitos sociais e políticos, que até então lhes eram negados.
Mas a razão principal da crise de 1383 a 1385 foi o descontentamento popular resultante da degradação das condições de vida e da evolução política que o País tomava.
A degradação das condições de vida resultava de uma crise económica acentuada, que se verificava tanto em Portugal como na Europa, gerada por sucessivas más colheitas agrícolas, inevitavelmente geradoras de fome, pelos efeitos negativos das frequentes guerras contra Castela, assim como pela ocorrência regular de diversas epidemias, como a Peste Negra.
Mas a insatisfação popular resultou também da perspetiva de o reino de Portugal perder a sua independência e de passar a ser governado por um rei estrangeiro. Esta insatisfação manifestou-se logo após a morte de D. Fernando, em outubro de 1383, quando a regente D. Leonor mandou apregoar por várias cidades de Portugal o pregão: “Arraial, arraial, pela rainha D. Beatriz nossa senhora”. Em várias povoações do Reino, como Lisboa, Santarém e Elvas, a população reagiu mal ao pregão. Esta reação não resultou apenas do facto de D. Leonor ser impopular, mas seguramente da perspetiva de domínio castelhano que D. Beatriz inevitavelmente representava.
Após os acontecimentos em Lisboa, a 6 de dezembro de 1383, nos quais D. João Mestre de Avis se afirmou como líder e foi aclamado, multiplicaram-se os apoios da população em várias cidades do país. Em janeiro, Almada e Porto também tomaram o partido do Mestre. Mais tarde, em maio, Coimbra adotou a mesma posição.
Para alargar a sua base de apoio, D. João enviou, logo em dezembro, emissários pelo Alentejo, desencadeando uma verdadeira insurreição. As populações aderiam ao Mestre e assaltavam os respetivos castelos, como sucedeu em Beja, Portalegre, Estremoz e Évora. Noutros casos, as populações apoiantes do Mestre de Avis tentavam, sem sucesso, apoderar-se dos castelos, como sucedeu em Torres Vedras, Alenquer, Guimarães, Braga ou mesmo Santarém. Noutros casos ainda, como Tomar, Pinhel ou Montemor-o-Novo, a população e respetivo castelo, aderiam ao Mestre haver necessidade de lutas.
Não se conhecem casos em que a população de uma povoação tenha manifestado apoio ao rei de Castela e a D. Beatriz. Tal não significa que a maioria dos castelos existentes em Portugal não se tenham mantido fiéis a D. Beatriz, mesmo até depois da Batalha de Aljubarrota. Estas posições dos alcaides nunca foram, contudo, representativas do sentimento das respetivas populações.
Este sentimento popular de apoio ao Mestre de Avis esteve sempre presente a partir de 1383, e manifestou-se de diversas formas e em diferentes ocasiões. Exemplos de manifestação desse sentimento popular foi a adesão imediata do povo de Lisboa à causa do Mestre de Avis, em dezembro de 1383, ou a sua determinação em lutar pelo Mestre de Avis, em 1384, durante o terrível cerco de quatro meses a que Lisboa foi sujeita; ou a adesão do povo do Porto, em janeiro de 1384, ao partido do Mestre, bem como a sua decisão, em maio de 1384, de oferecer batalha aos castelhanos que ameaçavam cercar a cidade; ou ainda a decisão do povo que vivia em redor de Torres Vedras, de abandonar a cidade com o exército do Mestre de Avis, em fevereiro de 1385, quando o Mestre desistiu do cerco que aí havia montado; ou a perseguição espontânea que muitos populares fizeram aos homens de armas castelhanos, quando estes, em agosto de 1385, fugiam para Castela, após a Batalha de Aljubarrota.
A sabedoria popular desde cedo soube identificar o partido que mais garantias dava de defender as suas aspirações de curto e de longo prazo. Deste modo, do Minho ao Algarve, como maior ou menor evidência, a preferência das populações virou-se exclusivamente para o Mestre de Avis, um fenómeno muito significativo que contribuiu, certamente, para a consolidação da identidade nacional.
D. Leonor Teles não representava seguramente uma solução para as aspirações populares, pois além de estar associada à degradação económica existente, proclamara a sua filha, D. Beatriz, casada com o rei de Castela, como rainha de Portugal. O infante D. João também não representava uma solução política, pois vivia há vários anos em Castela, onde estava preso desde outubro de 1383. Deste modo, o único pretendente que poderia permitir uma solução de independência do reino de Portugal era claramente o Mestre de Avis. O seu comandante militar, D. Nuno Álvares Pereira, salientou muitas vezes este aspeto, como elemento de união entre os portugueses, nomeadamente nos momentos que antecederam as suas batalhas, ao referir frequentemente a necessidade de se fazer frente à invasão estrangeira.
A invasão de Portugal por um exército estrangeiro, tanto em 1384, como em 1385, obrigou a que os diferentes grupos sociais tivessem de optar por um dos lados em confronto. O apoio essencial foi concedido pelo povo, ao reconhecer em D. João I a figura que melhor poderia assegurar a resolução dos seus problemas económicos e a defesa da independência do Reino de Portugal.
Em conclusão, é possível afirmar que existiram várias razões para a crise de 1383 a 1385. O partido do Mestre de Avis contou com o apoio de diversos grupos sociais, nomeadamente de uma parte da burguesia e de uma parte importante da pequena e média nobreza portuguesa. Por outro lado, Nuno Álvares Pereira revelou-se um chefe militar exemplar. Em muitos casos difíceis soube, com a sua coragem e eficácia, imprimir o rumo certo para o desenrolar dos acontecimentos. Mas estes fatores favoráveis nunca teriam proporcionado quaisquer hipóteses de sucesso a D. João Mestre de Avis se a maioria esmagadora do povo, nomeadamente nas principais cidades, não tivesse aderido progressiva e espontaneamente à sua causa.
Nuno Alvares Pereira a rezar antes da batalha, em azulejos de Jorge Colaço no Centro Cultural Rodrig...
Painel de azulejos pintado por Jorge Colaço (1922) representando um episódio da batalha de Aljubarro...
Descrição dos acontecimentos:
Ainda em dezembro de 1383, e constatando a situação de incerteza e de indefinição política que se verificava, o Mestre de Avis propôs casamento a D. Leonor Teles. O seu objetivo era assumir a regência do Reino com D. Leonor até que o filho de D. Beatriz atingisse 14 anos e pudesse reinar. D. Leonor Teles recusou a proposta. Os partidários do Mestre começaram então a preparar a defesa militar de Lisboa.
Entretanto, depressa se percebeu a importância do auxílio de Inglaterra, com quem Portugal tinha um tratado de aliança assinado em 1372 (o Tratado de Tagilde), e particularmente do apoio do Duque de Lencastre, John of Gaunt, que tinha pretensões ao trono castelhano. Formalizado o pedido de apoio, o rei inglês permitiu que os embaixadores portugueses recrutassem naquele país homens de armas e arqueiros. Em contrapartida, o Mestre de Avis aceitou as pretensões do Duque de Lencastre ao trono de Castela.
Recorde-se que foi em dezembro de 1383 que o Mestre se assumiu, com o apoio do povo, regedor e defensor do Reino, ao mesmo tempo que um jovem nobre, Nuno Álvares Pereira, se tornava no seu “braço armado”. Nuno Álvares Pereira pertencia a uma família ligada à Ordem de S. João do Hospital e tinha pouco mais de 20 anos, mas depressa mostrou a sua capacidade militar. Para seu chanceler, o Mestre de Avis nomeou João das Regras. O dinheiro para a guerra que se avizinhava foi recolhido através de peditórios junto dos moradores de Lisboa e com empréstimos em dinheiro e em valores.
De Santarém, e ainda em dezembro, D. Leonor Teles enviou cartas a D. Juan de Castela para o colocar a par dos acontecimentos em Lisboa e pedir que entrasse em Portugal com o seu exército para restabelecer a ordem e devolver-lhe a regência do Reino.
No mês seguinte, já D. Juan I de Castela se encontrava com o seu exército na cidade da Guarda. Partiu depois para Celorico, passando por Miranda do Corvo e Tomar, onde se verificava uma escaramuça com portugueses. Continuou depois pela Golegã até Santarém, onde entrou a 12 de janeiro.
Em Santarém, D. Juan decidiu assumir o governo de Portugal, violando o Tratado de Salvaterra de Magos, que previa que D. Leonor se mantivesse como regente de Portugal até que o filho de D. Beatriz atingisse os 14 anos. D. Leonor sentiu-se atraiçoada e enviou recados a vários alcaides de castelos que estavam do seu lado, a pedir que não entregassem os castelos.
D. Juan I proclamou-se abertamente rei de Castela, de Leão, de Portugal, de Toledo e da Galiza. Mandou até cunhar moeda. A crise política tornou-se inevitável.
Em Santarém, os castelhanos comportavam-se como conquistadores, gerando grande descontentamento. O Mestre de Avis foi incitado a atacar o rei de Castela, “que eles [em Santarém] os ajudariam”. Porém, o plano não foi aceite, uma vez que as barcas não chegariam mais longe senão até Muge.
Procurando conquistar mais território, D. Juan I de Castela enviou um destacamento de mil homens a Lisboa para se confrontar com D. João, Mestre de Avis. O Mestre de Avis preparou-se para atacar estas forças no Lumiar, mas os castelhanos furtaram-se ao combate e retiraram-se para Alenquer e para Torres Vedras.
Em fevereiro, D. Juan I dirigiu-se para Coimbra para tomar o Castelo.
Ao descobrir uma conspiração de D. Leonor Teles contra ele, mandou prendê-la e enviou-a para o Convento de Tordesilhas, onde permaneceu até morrer.
Também em fevereiro foram aprisionados alguns navios de abastecimento castelhanos que entraram na barra, com mantimentos para a frota castelhana que julgavam estar em Lisboa. O pescado foi utilizado pelo Mestre para o abastecimento da capital e para o pagamento de soldos.
Neste mesmo mês, D. Juan I de Castela desistiu de tomar Coimbra e rumou a Santarém. Em março, deslocou-se para Arruda, onde ponderou cercar Lisboa e atacar vários castelos que estavam do lado do Mestre de Avis. Optou, nesta fase, por cercar Lisboa.
D. João, tendo sido informado de uma incursão castelhana no Alentejo nomeou Nuno Álvares Pereira fronteiro da comarca de Entre Tejo e Guadiana, com poder absoluto, quer militar, quer económico ou político. Em Lisboa, foi autorizado a escolher 200 cavaleiros, dos quais 40 cavaleiros da primeira nobreza, entre os quais se incluíam Rodrigo Afonso Pimentel, Diogo Lourenço, João Pires, Martim Cotrim, Fernando Martins Brandão, Gomes Martins Zagalo, Afonso Lourenço e Lopo Rodrigues Façanha. Teve também autorização para juntar à sua hoste cerca de mil homens a pé. Nuno Álvares Pereira partiu então para o Alentejo, sendo acompanhado por D. João até Coina (Barreiro), onde se despediram.
A 6 de abril de 1384, D. Nuno Álvares Pereira chefiou um pequeno exército de 1500 homens, que derrotou uma força castelhana de 5000 homens na Herdade dos Atoleiros, junto a Fronteira. Estava provado que o exército castelhano, apesar de muito superior, não era invencível. Este facto teve um efeito moral extraordinariamente importante junto dos apoiantes do Mestre de Avis.
Após a Batalha dos Atoleiros, D. Nuno Álvares Pereira desenvolveu várias ações no Alentejo, fazendo inclusivamente algumas cavalgadas em Castela. D. Nuno forçou os castelos de Arronches e de Alegrete a tomar o partido do Mestre.
Perante a notícia de que a frota castelhana se dirigia para Lisboa, uma a frota portuguesa comandada por Gonçalo Rodrigues da Sousa preparou-se para a batalha. Outras medidas foram tomadas para reforçar a capacidade de resistência de Lisboa, em matéria de abastecimentos e de fortificação militar.
A frota castelhana começou a chegar a Lisboa a 26 de maio e, em três dias, conseguiu fechar o cerco à cidade. O quartel-general do rei de Castela foi estabelecido em Santos-o-Velho.
Também em maio, os portuenses ameaçados de cerco pelas forças do arcebispo de Santiago, decidiram oferecer batalha em campo aberto fora da cidade. Reforçados pelos elementos da esquadra portuguesa, entretanto chegada ao Porto, obrigaram os castelhanos a retirar, depois de algumas escaramuças.
Domingos Peres das Eiras propôs ao Mestre de Avis que se fosse a Coimbra convidar o conde D. Gonçalo, irmão da rainha D. Leonor Teles, a comandar a esquadra portuguesa. Com este convite pretendia-se atrair para a causa do Mestre não só D. Gonçalo, mas também outros portugueses hesitantes. D. Gonçalo aceitou o comando da frota portuguesa com a condição de receber as terras da sua irmã D. Leonor.
O Mestre escreveu então a D. Nuno dizendo-lhe que se deslocasse com as suas gentes de Évora para o Porto para embarcar nesta frota. Contudo estes, talvez por não quererem compartilhar esta grandiosa missão, não o quiseram esperar e partiram. Nuno Álvares Pereira regressou ao Alentejo, tendo um reencontro com os castelhanos na ribeira de Alapraia.
A frota portuguesa vinda do Porto, composta por 17 naus e 17 galés, enfrentou a frota castelhana a 18 de julho, à entrada de Lisboa. Nesta batalha do Tejo, a frota castelhana era composta por 61 naus, 16 galés, 1 galeota e várias carracas. Os portugueses perderam três naus e vários homens, entre os quais Rui Pereira. Outros foram feitos prisioneiros. Contudo, a frota portuguesa conseguiu romper a frota castelhana, que era muito superior, e descarregar os alimentos que trazia. Esta ajuda alimentar veio-se a revelar muito importante para a população que defendia Lisboa.
A 30 de julho e por falta de água, Almada rendeu-se ao rei de Castela. No início de agosto, foi descoberta uma conspiração em Lisboa: alguns portugueses abririam as portas do castelo aos castelhanos no dia 15 de agosto. Os implicados acabaram presos ou expulsos da cidade.
Por esta altura, Nuno Álvares, que se encontrava no Alentejo, conquistou o castelo de Monsaraz. Mais tarde, quando se deslocava para Elvas, foi surpreendido pelo castelhano João Rodrigues de Castanheda e os seus homens. A escaramuça aconteceu nas margens do Guadiana, junto a Badajoz. Entretanto, ficou a saber que havia muitos castelhanos no Crato e que Pedro Sarmento, por ordem de D. Juan I de Castela, estava a caminho do Alentejo para o enfrentar. D. Nuno partiu então para Ponte de Sor, por Fonte da Figueira, para impedir a ligação das forças inimigas. Chegado a Avis teve conhecimento que as forças castelhanas tinham passado ali na véspera, pelo que optou por voltar a Cano e daqui para Évora. D. Nuno pediu então ao seu exército no Divor que combatesse os castelhanos. Os homens de Castela cercaram apenas os defensores do Mestre de Avis, sem abrir um confronto direto, criando uma situação muito perigosa para os portugueses. Durante a noite, aproveitando a chuva que caía, D. Nuno rompeu o cerco e regressou a Évora. Pedro Sarmento regressou a Almada. D. Nuno seguiu-o, passando por Palmela e atacou-o Almada, mas sem sucesso. Viu-se obrigado a retirar para Coina e depois para Palmela onde, durante a noite, mandou fazer uma grande fogueira na torre do Castelo, de forma a que fosse vista em Lisboa. D. João depois de ver esta fogueira, respondeu também com outra, feita nos seus Paços.
A 27 de agosto, os portugueses resistem a uma ação surpresa dos navios castelhanos sobre o porto de Lisboa, em simultâneo com um ataque terrestre à porta de Santa Catarina. O Mestre encorajou os portugueses a lutar, combatendo ele próprio junto ao rio, onde quase morreu afogado. Os portugueses conseguiram resistir.
Estando a situação muito deteriorada no interior da cidade, sobretudo por falta de mantimentos, o Mestre considerou duas hipóteses: chamar Nuno Álvares Pereira e atacar as forças castelhanas, o que implicava que as forças de D. Nuno tivessem de atravessar o rio em batéis; ou abandonar a cidade com as suas forças, atravessando o rio em galés para a Margem Sul para juntar-se às forças de Nuno Álvares Pereira e atacar o exército castelhano de norte para sul. D. Nuno, depois de ouvir as duas hipóteses, considerou ambas arriscadas por implicarem uma travessia do Tejo frente a Lisboa e comunicou que era melhor esperarem.
Perante o impasse criado, D. Juan I de Castela decidiu terminar o cerco a Lisboa. Em parte, pela determinação das forças portuguesas em resistir e por Lisboa estar bem murada e defendida com a recente Muralha Fernandina. Mas houve, contudo, outra forte razão para esta decisão de D. Juan I: a epidemia de peste que grassava entre as forças castelhanas. Esta peste chegou a matar 200 homens por dia. O monarca castelhano decidiu retirar-se para Castela a 3 de setembro. A frota castelhana partiu também para Castela, a 28 de outubro.
A retirada foi comemorada em Lisboa com uma grandiosa procissão. O Mestre de Avis foi ratificado pela nobreza, clero e povo, em juramento solene, como Regedor e Defensor dos Reinos de Portugal e do Algarve. Convocaram-se então as Cortes de Coimbra.
Entretanto, Nuno Álvares Pereira propôs ao Mestre um ataque ao rei de Castela quando este saísse de Santarém, em Chão de Couce, aproveitando a oportunidade de fraqueza destas tropas. O Mestre concordou, mas o plano foi posteriormente abandonado pelo facto de o rei de Castela ter partido mais cedo do que previam.
A 10 de dezembro de 1384, o Mestre de Avis dirigiu-se para Torres Vedras para cercar esta cidade, que estava do lado de D. Beatriz. Durante o cerco foi descoberta uma conspiração contra a vida do Mestre por parte do conde Gonçalo Gonçalves, D. Pedro de Castro, João Afonso Bessa e Pedro de Trastâmara. O conde Gonçalo acabou preso e os restantes conseguiram fugir.
Afastados momentaneamente os combates com Castela, o partido do Mestre concentrou-se na batalha política. As Cortes de Coimbra reuniram-se entre 3 de março e 6 de abril de 1385 com o objetivo de dar provimento às despesas de guerra e decidir a quem deveria caber o trono de Portugal. Nesta assembleia enfrentaram-se as duas correntes: a dos apoiantes do infante D. João de Castro e a dos apoiantes de D. João Mestre de Avis. Eram poucos os que defendiam D. Juan de Castela ou Dona Beatriz. Destacou-se na argumentação utilizada o doutor João das Regras, que defendia o Mestre de Avis e que explicou detalhadamente por que razão nenhum dos restantes três pretendentes reunia as condições necessárias para ocupar o trono de Portugal. Simultaneamente, Nuno Álvares Pereira, com os seus 300 escudeiros bem armados, contribuiu também para que as discussões não se prolongassem em demasia.
As Cortes terminaram com a proclamação do Mestre de Avis como rei de Portugal. No dia seguinte, Nuno Álvares Pereira, então com 24 anos, foi nomeado Condestável, ou seja, comandante supremo do exército português.
A partir do início de abril de 1385, a frota castelhana voltou a colocar-se em frente a Lisboa, cercando a cidade. Ainda em Coimbra, o rei de Portugal enviou um embaixador a Inglaterra, não só para obter o seu reconhecimento como rei, mas para obter apoio militar do rei de Inglaterra e do Duque de Lencastre. Enviou também embaixadores ao Papa e a todas as vilas e cidades portuguesas para que o reconhecessem como rei.
A 15 de abril, D. João I deslocou-se ao Porto, onde foi recebido de forma efusiva. D. Nuno Álvares Pereira rumou a Neiva e a Viana do Castelo e conquistou ambos os castelos.
A 8 de maio, D. João I conquistou Guimarães com a ajuda de elementos que aí viviam e cercou o castelo. O povo da cidade de Braga revoltou-se quando soube dos acontecimentos em Guimarães. D. João I escreveu então a D. Nuno Álvares Pereira, que estava junto ao Rio Minho, ordenando-o que fosse tomar o castelo de Braga. Entre o cerco e a rendição passou apenas um dia.
Resolvida a situação em Braga, D. João e Nuno Álvares Pereira deslocaram-se para Guimarães, que continuava a resistir. O alcaide de Guimarães tinha pedido reforços ao rei de Castela, mas este mandou dizer que não estava em condições de o socorrer, pelo que acabou por se render e entregar o castelo a D. João I.
Ainda em Guimarães, D. João I e Nuno Álvares Pereira reuniram-se para tomar decisões quanto à estratégia a adotar. Sabiam que D. Juan I de Castela estava a cercar Elvas e que pretendia depois concertar-se no ataque a Lisboa. Sabiam também que a frota castelhana já se encontrava em Lisboa, de tal forma que já não era possível utilizar o rio. Tinham ambos a noção de que Lisboa não iria resistir a novo cerco e que, se a cidade caísse, poderia cair todo o Reino. Concluíram que o melhor seria dar batalha ao exército castelhano, ainda que este fosse de um enorme poderio.
A 1 de junho, o rei de Castela cercou Elvas. Nesta altura, já tinha ordenado a invasão da Beira, para dividir as forças portuguesas e poder posteriormente avançar sobre Lisboa. Contudo, a incursão beirã, comandada por Juan Rodriguez de Castanheda, foi esmagada em S. Marcos, junto a Trancoso, naquela que ficou conhecida como a Batalha de Trancoso (travada a 29 de maio de 1385). Sem conseguir também vencer em Elvas, o rei de Castela optou por levantar o cerco e deslocou-se para Ciudad Rodrigo.
D. João I e D. Nuno Álvares só conseguiram atravessar o Tejo a 26 de junho, após uma forte escaramuça. O rei dirigiu-se depois para Alenquer, onde assentou arraial. Aqui tomaram-se diversas decisões: o rei aguardaria reforços de Lisboa antes de partir para Abrantes; D. Nuno iria ao Alentejo reunir mais forças, juntando-se depois ao rei em Abrantes. Por fim, seriam chamados os fidalgos da Beira para participarem na batalha que se avizinhava.
Já em Évora e antes de seguir para Estremoz, D. Nuno escreveu cartas a todos os homens de armas, peões e besteiros, pedindo-lhes que viessem rapidamente ter com ele.
A 8 de julho de 1385, D. Juan I invadiu novamente Portugal, entrando por Almeida com um numeroso exército que incluía diversos nobres portugueses. Seguiu depois por Trancoso, Celorico da Beira, Coimbra, Soure e Leiria. Recorde-se que desde abril Lisboa estava cercada por mar pela esquadra castelhana.
A 10 de julho, D. João I saiu de Alenquer e dirigiu-se para Abrantes, onde chegou cerca de cinco dias depois. Sabendo que o rei de Castela tinha entrado em Portugal, mandou Martim Afonso de Melo a Estremoz avisar D. Nuno para regressar imediatamente com todos os homens que pudesse reunir.
A situação era grave pois muitos alcaides dos castelos do reino obedeciam ainda a Castela. A 6 de agosto, reuniu-se em Abrantes o Conselho de Guerra português, com D. João I e D. Nuno. Discutiram-se duas possibilidades: dar batalha ao inimigo, ou optar pela guerra de guerrilha, face do grande número do exército castelhano. D. João I defendia a segunda hipótese e propôs uma incursão em Castela através da Andaluzia, como forma de fazer regressar o exército de D. Juan I de Castela ao seu reino. Nuno Álvares Pereira opôs-se veementemente a esta opção. Achava que era melhor oferecer batalha ao rei de Castela, como forma de salvar Lisboa e o reino de Portugal. Não havendo acordo, D. Nuno partiu com o seu pequeno exército para Tomar. Mais tarde, D. João I mudou de opinião e, com o seu próprio exército, acabou por se juntar a D. Nuno Álvares Pereira.
Entre o dia 8 e o dia 10 de agosto, o Condestável mandou efetuar diversos reconhecimentos da marcha e das características do exército castelhano. No dia 13, por ordem do rei, Nuno Álvares Pereira, com um grupo de cem cavaleiros, partiu em direção a Leiria, tentando observar o inimigo. Apesar de não o conseguir, teve oportunidade de escolher o terreno onde, no dia seguinte, se iria travar a batalha. De regresso ao arraial, comunicou a opção a D. João I. No dia 14 de agosto, Nuno Álvares Pereira colocou nesse terreno, logo pela manhã, o exército português, dando-se então a Batalha de Aljubarrota.
Vale a pena destacar, como refere o Prof. José Mattoso, que em 1385, existiam já importantes elementos de união em Portugal, uma vez que o território estava definido e a população, apesar de separada por “vedações estatutárias e fossos étnicos”, atingia perto de um milhão de habitantes. “A língua, o rei e toda uma teia de costumes e normas estabelecem os laços da identidade. Mas não há ainda a consciência generalizada dessa identidade. É coisa que está a cimentar-se, na solidariedade, na emulação e no perigo”, afirma o professor.
O significado único da Batalha de Aljubarrota:
Como refere o professor e historiador João Gouveia Monteiro, a batalha ocorrida no planalto de S. Jorge, no dia 14 de agosto de 1385, constituiu um dos acontecimentos mais decisivos da História de Portugal. Sem ela, o pequeno reino português teria, muito provavelmente, sido absorvido para sempre pelo seu poderoso vizinho castelhano. Sem o seu contributo, o orgulho que temos numa história largamente centenária, configurando o estado português como uma das mais vetustas e homogéneas criações políticas do espaço europeu, não seria hoje possível. Ao vencer o seu rival castelhano, o recém-eleito D. João I não só abriu as portas à Segunda Dinastia portuguesa, como também possibilitou a preparação daquela que seria a época mais brilhante da história nacional – a época dos Descobrimentos. Aljubarrota deu, portanto, direta e indiretamente, um novo contorno à História de Portugal e ao próprio Mundo, cujo extraordinário significado repercutirá pelos séculos fora.
Mas, mesmo vista à sua escala medieval, a Batalha de Aljubarrota, como veremos seguidamente, não pode deixar de ser considerada um episódio da maior importância política, militar e diplomática.
Assim e do ponto de vista político, a Batalha decidiu – como raras vezes acontecia com as pelejas medievais – a disputa política que dividia a Península e o próprio reino de Portugal, desde outubro de 1383. A partir de Aljubarrota, e apesar de durante muito tempo D. Juan I não ter perdido a ideia de regressar a Portugal para se vingar, não mais os castelhanos voltaram a ser capazes de reunir um conjunto de tropas suficiente para ameaçar a integridade territorial do pequeno reino lusitano. Na sequência de uma inteligente estratégia de pressão desenvolvida ao longo das duas décadas seguintes, Portugal acabaria por forçar a paz, assinada em Ayllón (Segóvia) a 31 de outubro de 1411. O destino lusitano pôde, então, assumir outros contornos, esculpidos, primeiro, nas praças marroquinas do Norte de África, e, mais tarde, no azul dos oceanos que conduziram à Índia e ao Brasil.
Após a vitória nos campos de Aljubarrota, o pequeno partido que se agrupara em redor do Mestre de Avis, pôde, enfim, respirar fundo: logo depois da Batalha, a poderosa Santarém caiu nas mãos do monarca eleito em Coimbra, seguindo-se-lhe Leiria, Óbidos, Alenquer e Vila Viçosa. A curto prazo, todas as outras bolsas de resistência que, sobretudo no Alto Minho, mantinham a voz por D. Beatriz acabaram por desaparecer.
Do ponto de vista estritamente militar, a Batalha de Aljubarrota configurou um dos marcos mais representativos da evolução dos sistemas e dispositivos táticos utilizados na guerra praticada no Ocidente europeu nos finais da Idade Média. Desde o triunfo da “Cavalaria Pesada”, nos meados do Séc. XI, e até ao primeiro quartel do Séc. XIV, o desfecho da esmagadora maioria das batalhas campais europeias fora decidido pela capacidade ofensiva dos combatentes montados. Mas, na primeira metade do Séc. XIV, um novo modelo de guerra começou a impor-se. Em várias zonas da Europa – Países Baixos, Ilhas Britânicas, Suíça – ensaiaram-se novas táticas assentes predominantemente em corpos de infantaria, que vieram demonstrar a capacidade das forças apeadas em derrotar contingentes de cavalaria, mesmo em situação numérica desfavorável. Estas novidades chegaram ao território francês em meados da centúria, no contexto da Guerra dos Cem Anos. Na Batalha de Crécy (travada a 26 de agosto de 1346) e, dez anos mais tarde, em Poitiers (19 de setembro de 1356), os exércitos ingleses envolvidos na Guerra dos Cem Anos puderam, enfim, colocar em prática, com resultados devastadores, um novo modelo tático que alteraria completamente o equilíbrio militar tradicional. Esse novo sistema assentava na combinação de corpos de homens de armas desmontados, armados com lanças, com corpos de atiradores, armados com arco ou besta posicionados nas alas (geralmente em posição levemente avançada), uns e outros defendidos por uma forte retaguarda de reserva, na maioria dos casos montada e chefiada pelo próprio rei. O segredo completava-se com uma atitude estratégica ofensiva (tomar a dianteira e escolher o terreno, provocar o adversário, precipitar o combate), sabiamente combinada com uma postura tática eminente defensiva (procurar o abrigo de obstáculos naturais, associar-lhes obstáculos artificiais por via de escavações e de empilhamento de materiais, aguardar a investida inimiga). Durante décadas, o novo sistema tático inventado pelos ingleses massacrou a numérica e militarmente muito mais poderosa cavalaria francesa, incapaz de se adaptar à nova lógica militar. Mas a experiência não decorreu apenas nos palcos da Guerra dos Cem Anos. Com efeito, em 1367, em Nájera (Navarra), e, sobretudo, em 1385, em Aljubarrota, o sistema foi também posto em prática e aperfeiçoado, com os resultados devastadores que se conhecem. O combate de S. Jorge, onde lutaram muitas centenas de homens de armas ingleses e franceses, correspondeu, assim, à entrada na fase da maturidade de um novo sistema militar e foi um dos mais emblemáticos exemplos europeus da sua genialidade.
Finalmente, e do ponto de vista diplomático, a Batalha de Aljubarrota privilegiou definitivamente a aliança de Portugal com Inglaterra, que se materializou através do Tratado de Windsor. Esta aliança diplomática com Inglaterra haveria de chegar até aos nossos dias. Por outro lado, definidas as fronteiras terrestres com Castela, e estabelecido o Acordo de Paz em 1411, ficou perfeitamente entendido em Portugal, e mesmo em Castela, que a identidade do povo português estaria definitivamente associada à independência do Reino de Portugal.
Os principais momentos da Batalha:
No dia 14 de agosto, logo pela manhã, o exército de D. João I ocupou uma posição fortíssima no terreno, escolhida na véspera por Nuno Álvares Pereira. É a chamada “Primeira Posição”, no extremo Norte do planalto de S. Jorge, controlando a estrada medieval (herdeira da via romana). A vanguarda do exército castelhano, que partira dos arrabaldes de Leiria e seguia por essa mesma via, começou a avistar o local ao final da manhã. Analisada a situação e ponderado o risco, decidiram evitar o choque com os portugueses, uma vez que isso implicaria a subida de um terreno em condições extremamente desfavoráveis. Preferiram tornear a posição portuguesa pelo lado do mar, utilizando a rede de caminhos secundários, para retomarem a via principal mais a sul, na esplanada do Chão da Feira. O exército português constituído por aproximadamente 8000 homens de armas, moveu-se, então, uns dois quilómetros para Sul e inverteu a sua posição de batalha para ficar voltado para Sul, de frente para o inimigo.
Confiante na sua superioridade numérica, a hoste castelhana, admitia agora combater. Enquanto isso, o exército português tirava o máximo partido da sua nova posição no planalto de S. Jorge. A frente era bastante estreita e estava bordejada, a nascente e a poente, por duas linhas de água, que coincidiam com outros tantos barrancos. A espera permitira também efetuar, ou completar, uma série de fortificações acessórias, destinadas a reforçar a proteção dos flancos e a criar dificuldades ao avanço castelhano. Assim, rasgaram-se fossos e cavaram-se covas-de-lobo, que escavações arqueológicas colocaram a descoberto a partir dos anos 60 do século XX. As tropas portuguesas também cortaram e empilharam troncos de árvores para criar "abatises". Grande parte deste dispositivo de defesa foi disfarçada com ervas e ramagens.
A hoste portuguesa desenhou, então, no terreno, uma espécie de quadrado. A vanguarda, comandada por Nuno Álvares Pereira, comportava homens desmontados armados com lanças. Lateralmente, e avançando em relação a esta linha, estavam duas alas formadas por corpos de arqueiros e besteiros. Duzentos ou trezentos metros atrás da vanguarda, estava a retaguarda ou reserva, também ela apeada e comandada por D. João I. Ao fundo de tudo ficou estacionada a carriagem, ou trem de apoio. Os flancos foram forrados com tropas de composição mista.
A vanguarda castelhana, formada a uns 700 metros a Sul, incluía um grande número de "lanças" dispostas em várias fileiras. Em cada uma das alas havia centenas de cavaleiros. A retaguarda, ainda incompleta quando se iniciou o combate, reunia alguns milhares de "homens de armas", distribuídos por várias linhas.
Depois de estacionado na esplanada de Chão da Feira, o monarca castelhano reuniu o seu conselho de guerra, mas os seus homens estavam divididos:
- Alguns defendiam que não se devia atacar, argumentando que já era tarde, as tropas estavam cansadas, não tinham comido e o inimigo encontrava-se numa boa posição. Dentro desta opção, debatiam duas alternativas possíveis: não tomar qualquer atitude, ordenando as forças e aguardando, o que levaria os portugueses a ter de tomar a iniciativa, saindo da sua posição e perdendo a vantagem; ou ignorar o exército português e prosseguir para Lisboa, que era o objetivo da expedição.
- Outros defendiam que se devia atacar, resolvendo já o problema, sublinhando que seria uma grande desonra mostrar medo de tão pequeno exército. Em defesa desta opção destacava-se o nobre português D. João Afonso Telo.
Por decisão (ou como consequência de alguma indecisão que gerou desobediência), concretizou-se a opção de atacar. Seguiram-se diversos acontecimentos, dos quais podemos destacar os seguintes:
Esquema ilustrando a Batalha de Aljubarrota.
1.º Das 17:45 até às 18:15 - o primeiro assalto:
Enquanto D. Juan I reunia e ouvia o seu conselho de guerra, 16 trons foram instalados à frente da vanguarda do exército castelhano, a cerca de 800 metros da vanguarda do exército português. Cerca de 100 metros atrás, ou seja, a 900 metros da vanguarda do exército português, estava a primeira linha da vanguarda castelhana, composta na sua grande maioria por cavaleiros franceses. Cerca de 600 metros atrás da primeira linha, estava D. Juan I de Castela, com a sua escolta. Nessa segunda linha começavam-se a estabelecer, à medida que chegavam, o resto das lanças montadas, dos peões e dos besteiros. Um pouco atrás, estava montada a tenda real e algumas outras, onde se colocaram diversas bagagens.
Quando se tornou evidente que um conjunto de cavaleiros ia iniciar o ataque às posições portuguesas, os referidos trons dispararam as suas cargas (pelouros de pedra), dando início à Batalha de Aljubarrota. Um desses tiros atingiu a ala direita portuguesa, matando dois escudeiros portugueses e um arqueiro inglês. Estes tiros causaram grande consternação na hoste portuguesa, uma vez que a grande maioria dos homens de armas portugueses desconhecia esta arma. Um escudeiro português disse nesse momento: "não tenhais medo, pois eu vi os dois homens que morreram há oito dias entrarem numa igreja e matarem o clérigo que aí dizia missa. Isto significa que Deus, que nos vai dar hoje a vitória, não quer que estes dois homens nela participem ou beneficiem da sua honra!" E todos os que isto ouviram, redobraram o seu propósito de lutar contra os seus inimigos.
O Condestável português havia, entretanto, desmontado e, rodeado pela sua guarda pessoal de 50 escudeiros, encontrava-se junto à sua bandeira, instalada numa pequena colina, no local onde hoje se encontra a Ermida de São Jorge. A vanguarda dispunha de 600 lanças dispostas possivelmente em três fileiras, ao longo de 180 metros. A ala esquerda, a Ala dos Namorados, mais próxima do Condestável, era comandada por Mem Rodrigues de Vasconcelos e por seu irmão Rui Mendes. Esta ala, onde sobressaía uma grande bandeira verde, dispunha de, aproximadamente, 400 besteiros, 200 lanças e 650 homens a pé. A ala direita, que dispunha de cerca de 200 arqueiros ingleses, 100 besteiros, 200 lanças e 750 homens a pé, era comandada por Antão Vasques. Sobre ela pairava a bandeira de São Jorge. Os dois lados da sua saliência ocupavam 260 metros.
Pelas 17:45 horas, a vanguarda do Rei de Castela, constituída por cerca de 2000 cavaleiros, na sua quase totalidade tropas auxiliares francesas, iniciou o ataque. Avançando a galope, estes cavaleiros passaram a estar, a partir dos 400 metros, debaixo do alcance dos virotões dos besteiros portugueses. A menos de 300 metros passaram a receber igualmente as setas disparadas pelos arqueiros ingleses, armados com os temíveis long bows (arcos longos). Atingidos pelos virotões primeiro e depois também pelas flechas, cavalos e cavaleiros começam a cair. À medida que a zona central do planalto foi ficando mais estreita, foram-se apertando uns contra os outros. As baixas começaram a multiplicar-se e a confusão foi alastrando. Os cavalos e cavaleiros caídos por terra e feridos arrastavam consigo outros, que caíam igualmente. Devido ao peso das suas armaduras e às feridas sofridas, os cavaleiros tinham dificuldade em se levantar. A menos de 250 metros da vanguarda portuguesa, os cavalos começaram a cair nas covas-do-lobo e nos fossos criados pelos portugueses. Os cavaleiros que, mesmo assim, conseguiam chegar a menos de 100 metros da vanguarda portuguesa, saltando com os seus cavalos os fossos e as covas-do-lobo, estavam sujeitos a um crescente aperto, devido à existência dos abatises que estreitavam o acesso à vanguarda portuguesa. Com falta de espaço, sujeitos aos contínuos disparos de virotões e flechas e às quedas dos seus cavalos, muitos cavaleiros desmontaram e procuram continuar a combater a pé. Contudo, além de não conseguirem romper a vanguarda portuguesa, foram sujeitos a um forte ataque dos homens de armas portugueses da vanguarda, com lanças e armas de choque.
Combatendo isoladamente do resto do exército castelhano, que ainda não tinha avançado, os cavaleiros franceses sobreviventes lutaram desesperadamente, mas acabaram por ter de se render aos portugueses. Foram então aprisionados cerca de 1000 cavaleiros franceses.
2.º Das 18:15 até às 19:30 - o segundo assalto:
D. Juan I observava, à distância, o desenrolar dos acontecimentos. Alguns nobres castelhanos aconselharam o rei de Castela a recuar: "Meu Senhor, o sol já está posto, pelo que não devemos continuar aquela hora o combate; devemos antes esperar pelo amanhecer, e reagrupar até lá as nossas tropas, que não comeram e estão cansadas". Contudo, D. Juan I respondeu: "Quem tal conselho dá não preza a minha honra, pois nunca poderei deixar presos, em mãos inimigas, cavaleiros do meu exército".
Tocaram então as trombetas e os tambores muito fortemente. Ao mesmo tempo, ouviram-se vozes que gritavam: “Por Santiago! Por Santiago!” e “A eles! A eles!”. O exército castelhano iniciou pelas 18:15 horas o avanço com a sua vanguarda, com as alas e retaguarda. Na primeira linha vinham cerca de 3000 cavaleiros, na sua maioria castelhanos, mas também vários nobres portugueses, entre os quais o Conde D. João Afonso de Teles, irmão de D. Leonor Teles. Estes cavaleiros avançavam organizados em três filas, cada uma com 1000 cavaleiros. A maior parte destes cavaleiros estavam munidos de longas lanças. Numa segunda linha, algumas centenas de metros atrás, vinham cerca de 4000 ginetes, para além de cerca de 500 besteiros castelhanos e diversos homens de armas. Com o exército castelhano avançou a bandeira do monarca castelhano, onde se viam os brasões de Castela e de Portugal, além de muitas outras bandeiras e estandartes da nobreza castelhana.
Embora no início do avanço as linhas castelhanas estivessem alinhadas, depressa começaram a ter dificuldade em manter as filas paralelas, devido à configuração do planalto. As duas alas viram-se impedidas de progredir pelos flancos. A vanguarda castelhana continuou o seu avanço, e as alas, comprimindo-se, procuraram segui-la. O conjunto tornou-se primeiro convexo, e depois informe e compacto. Quando ultrapassou a linha dos 400 metros de distância das forças portuguesas, a vanguarda castelhana passou a estar também sob o efeito dos virotões dos besteiros portugueses, provocando a queda de cavalos e cavaleiros e causando mortos e feridos. A partir de então e devido aos obstáculos artificiais que se avistavam e da falta de espaço para os cavalos poderem avançar livremente, a maioria dos cavaleiros castelhanos desmontou e tentou percorrer a pé as escassas centenas de metros que faltavam para atingir o exército português. As suas compridas lanças, que se destinavam a combate montado, seriam quebradas para se adaptarem à luta corpo a corpo que se avizinhava. Contudo, nem todos os cavaleiros castelhanos desmontaram e algumas dezenas conseguiram chegar à zona da vanguarda portuguesa.
A partir do momento em ficaram sujeitos aos virotões e flechas, tanto cavaleiros como homens a pé procuram acelerar o passo. Devido à grande concentração de homens, ao progressivo estreitamento da frente de batalha e aos obstáculos artificiais existentes (covas-do-lobo e fossos) que lhes provocavam quedas atrás de quedas, os atacantes foram-se acotovelando, tropeçando em corpos de homens estendidos no chão. Devido a este estreitamento, a retaguarda castelhana estava já encostada à vanguarda castelhana, de tal forma que constituíam apenas um conjunto único de homens. Os cerca de 400 besteiros castelhanos que acompanhavam os homens de armas da vanguarda viram-se incapazes de utilizar eficazmente as bestas, por não terem campo de tiro livre. Entretanto, os homens de armas iam sendo atingidos pelas flechas e virotões dos atiradores ingleses e portugueses.
Todas estas circunstâncias fizeram com que os últimos 300 metros, antes de ser atingida a vanguarda portuguesa, fossem percorridos com um grau crescente de dificuldade. Não podendo atacar pelos flancos, dadas as duas linhas de água que torneavam o planalto, e não podendo vencer os obstáculos artificiais, os castelhanos foram convergindo para o centro do planalto, convertendo-se numa massa confusa, amontoada e disforme. Perderam velocidade de progressão no terreno e o número de baixas foi aumentando. A compressão foi de tal ordem que muitos castelhanos mortos não apresentavam qualquer ferimento, tendo morrido esmagados ou sufocados.
Perante este avanço, os portugueses tocaram as suas trombetas, e a vanguarda avançou em boa ordem, passo a passo, com as lanças debaixo do braço, apontadas a direito, numa frente de aproximadamente 250 metros de largura.
Apesar da investida castelhana ter abrandado a velocidade, de ter sido encaminhada para um estreito corredor em frente do exército português, e do elevado número de baixas sofridas durante o processo de aproximação, cerca de 2000 homens castelhanos conseguiram chegar com alguma força à vanguarda portuguesa, perto da zona onde se encontrava Nuno Álvares Pereira e a sua bandeira. Deu-se então o choque com a vanguarda portuguesa, onde, num primeiro momento, cada parte procurou crivar as suas lanças nos seus inimigos. Simultaneamente, os besteiros portugueses e arqueiros ingleses continuavam a flagelar os assaltantes castelhanos. Nos intervalos dos seus lançamentos, os peões portugueses, situados atrás dos besteiros e arqueiros, arremessavam um elevado número de pedras e lanças. Neste segundo assalto, já os assaltantes castelhanos tinham sofrido cerca de 3000 feridos e mortos.
Após os momentos iniciais do choque, as lanças de ambas as partes já tinham sido crivadas ou lançadas. Os combatentes de ambas as partes passaram então a usar outras armas, como espadas, punhais ou machados. O combate transformou-se numa violenta luta corpo a corpo, que se prolongou por vários minutos. No meio de uma grande gritaria de parte a parte, Nuno Álvares Pereira clamava: "Ah, portugueses, lutai por vosso rei e por vossa terra!"
Na sequência desta luta brutal, cujo barulho podia ser ouvido a longa distância, a vanguarda portuguesa acabou por ceder, abrindo passagem a cerca de 1500 homens de armas castelhanos. Outros castelhanos ficaram a enfrentar a parte não destroçada da vanguarda portuguesa. A coluna de assaltantes que conseguiu forçar a linha de vanguarda continuou a avançar de forma desordenada, o que aumentou o atropelo. A rutura da vanguarda portuguesa deu-se junto à ala esquerda, ou seja, à Ala dos Namorados, razão pela qual houve aí maior número de baixas portuguesas. Mem Rodrigues de Vasconcelos e seu irmão Rui Mendes, que comandavam esta ala, foram alguns dos que ficaram feridos.
Perante a rutura da vanguarda portuguesa, as duas alas laterais recuaram, colocando-se entre a vanguarda e a retaguarda portuguesa. Com efeito, não havendo inimigos que estivessem a atacar as alas, os besteiros portugueses e os arqueiros ingleses puderam recuar e virar-se para o interior do "quadrado" português, alvejando os assaltantes castelhanos que aí haviam penetrado. O mesmo faziam os homens de armas portugueses aí situados, que atacavam os assaltantes com as suas lanças.
Contudo, este movimento das alas portuguesas não conseguiu impedir o avanço dos castelhanos. A retaguarda, onde se encontrava D. João I, obedecendo à ordem do monarca, avançou. O rei gritou: "Avante, senhores, avante! Por São Jorge e Portugal de que eu sou Rei!". Correndo para os assaltantes, a retaguarda portuguesa provocou o choque a cerca de 150 metros a norte da vanguarda portuguesa, a que se seguiu um duro combate. Os portugueses utilizaram neste combate as suas espadas, punhais e fachas. Os homens de armas portugueses da retaguarda tinham, poucos metros atrás de si, os seus pajens e tratadores com os seus cavalos à mão. Quando estes homens de armas portugueses avançaram em direção ao inimigo, foram seguidos por eles.
Após este choque, os castelhanos deixaram de avançar. Com este movimento, que assume uma importância decisiva na batalha, os assaltantes castelhanos ficaram pressionados por vários lados pelos portugueses. Com efeito, sendo atacados violentamente por três lados, os homens de armas castelhanos sofreram significativas baixas. A norte enfrentavam a retaguarda portuguesa, com cerca de 2000 homens de armas. A este e oeste enfrentavam as alas portuguesas, com cerca de 1200 peões, besteiros e arqueiros. E a Sul, ainda estavam cerca de 350 lanças, que haviam sobrevivido ao rompimento castelhano. É nesta fase que se dá o combate a pé entre D. João I e um cavaleiro castelhano, D. Álvaro Gonçalves de Sandoval. O rei de Portugal, ao procurar desferir um golpe, foi derrubado e ficou privado da sua arma, uma facha. Surgiu então um cavaleiro português, D. Martim Gonçalves de Macedo que, colocando-se entre o rei e o cavaleiro castelhano, conseguiu desferir um golpe e matar o cavaleiro castelhano, salvando a vida do rei de Portugal.
Enquanto alguns castelhanos continuavam a combater, outros, feridos e cientes do desfecho que se avizinhava, começaram a fugir. A bandeira castelhana foi derrubada, o que aumentou a desorientação entre as forças de D. Juan I. Alguns fugiram em direção ao arraial castelhano e este movimento foi observado por alguns pajens portugueses, que exclamaram: "Já fogem, já fogem!". Este grito contribuiu para que os restantes sobreviventes castelhanos, cerca de 500, fugissem também.
Os portugueses conseguiram empurrar progressivamente os castelhanos para sul. Ao recuar, muitos castelhanos caíram na ribeira e nos fossos. As alas portuguesas voltaram às suas posições e ainda tinham alguns projéteis por utilizar. A vanguarda portuguesa, embora desfalcada, tinha conseguido também restabelecer a sua frente.
A segunda linha castelhana, onde estava o rei de Castela, começou a formar para iniciar o ataque à posição portuguesa. Contudo, ao deparar-se com um imenso pelotão de castelhanos a retroceder, desmoralizou e acabou por não iniciar o ataque.
Nesta altura, pelas 18:45 horas, perante o desbarato dos castelhanos, os portugueses tomaram a iniciativa. Procurando explorar o sucesso, passaram à ofensiva, gritando e perseguindo a cavalo os adversários que tinham sobrevivido e que procuravam fugir. Este movimento de contra-ataque a cavalo, prolongou-se até à tenda real de D. Juan de Castela e em direção a Leiria e Canoeira. Foi na Canoeira que caiu em mãos portuguesas o altar de campo de rei de Castela.
Por esta altura, muitos cavaleiros castelhanos procuravam fugir, cavalgando para longe do campo de batalha. Uns largavam as suas armas para mais facilmente poderem fugir. Outros viravam as suas roupas do avesso, de forma a não poderem ser reconhecidos como castelhanos. Muitos, com medo, saíram das estradas e meteram-se no mato, acabando por se perder.
3.º Das 19:00 até às 19:45 - o assalto á carriagem portuguesa:
A ala esquerda castelhana, chefiada por Don Gonçalo Nunes de Gusmão, composta por cerca de 700 cavaleiros, havia desde o início deste segundo assalto avançado pela zona do Tojal, contornando a ala esquerda do exército português. Vendo que o ataque frontal ao exército português não era possível, optou por avançar mais pela direita, longe do exército português. Mais a Norte, tendo já contornado completamente o exército português, subiu ao planalto de São Jorge, infletiu para Sul e atacou a carriagem portuguesa. Este ataque verificou-se na mesma altura em que se iniciava o contra-ataque português à tenda real de Castela.
Don Gonçalo Nunes de Gusmão contava que o assalto do exército castelhano à vanguarda portuguesa durasse bastante mais tempo, pelo que, ao atacar a carriagem portuguesa, submeteria o exército português a dois ataques simultâneos, um na vanguarda, outro na retaguarda. Contudo, o seu ataque ocorreu quando o ataque castelhano à vanguarda portuguesa já tinha terminado e quando muitos castelhanos fugiam. Não deixou de ser, contudo, um ataque violento, que se traduziu em várias investidas na zona da carriagem. A carriagem portuguesa era defendida por homens a pé e besteiros, que entrincheirados por detrás das bagagens, de carroças derrubadas e de outros obstáculos artificiais, atiravam pedras, lanças e disparavam virotões. Sabendo que o ataque principal castelhano já tinha sido anulado, e que não tardariam a chegar reforços, os portugueses aguentaram estes ataques, embora em grande dificuldade.
Perante a situação difícil em que se encontrava a carriagem portuguesa, D. João I avisou D. Nuno Álvares Pereira, dizendo-lhe que socorresse imediatamente aqueles portugueses. Estando cansado e não dispondo de cavalo, temeu em não conseguir chegar a tempo, uma vez que a carriagem se situava cerca de 350 metros a norte. Valeu-lhe então o comendador-mor Pêro Botelho que, estando montado, se apeou e cedeu o cavalo ao Condestável. Quando D. Nuno aí chegou, acompanhado por outros homens de armas portugueses, exortou os portugueses que defendiam essa posição, dando-lhes palavras de incentivo. A peonagem portuguesa ganhou novo alento e resistiu. Os ginetes castelhanos, ao verem que o Condestável português tinha chegado com reforços, acabaram por desistir do ataque.
4.º A partir das 19:15 – a retirada de D. Juan I de Castela:
Perante a debandada geral castelhana, os homens da guarda de D. Juan I colocaram o monarca doente num cavalo e, com uma escolta de cem cavaleiros, abandonaram o campo de Aljubarrota dirigindo-se para Santarém, evitando que o monarca castelhano caísse prisioneiro. Um jovem nobre português, Vasco Martins, que havia jurado matar o monarca castelhano, montou também num cavalo e conseguiu, ao fim de alguns quilómetros, misturar-se com os cavaleiros castelhanos que acompanhavam D. Juan. Contudo a cruz de São Jorge, que trazia na sua roupa, denunciou-o, sendo então morto pelos cavaleiros castelhanos.
Don Juan de Castela chegou a Santarém cerca da meia-noite, doente, exausto e desesperado. Embarcou nessa mesma noite em direção a Lisboa, onde chegou no dia seguinte. Depois, embarcou na sua frota, seguindo por mar até Sevilha.
Após a debandada geral do exército castelhano seguiu-se uma curta, mas devastadora perseguição portuguesa. O escudeiro inglês Harteaelle chegou a pedir mais cavalos a D. João I, para continuar a perseguição aos fugitivos. O rei recusou, pois era tarde e o inimigo ainda era muito poderoso: "Quem tudo quer tudo perde. Agradeçam a Deus que nos deu a honra e a vitória".
O exército castelhano precipitou-se numa fuga desorganizada. Até ao final da manhã do dia seguinte, milhares de castelhanos em fuga foram chacinados por populares nas imediações do campo de batalha e nas aldeias vizinhas. O restante das forças franco-castelhanas saiu de Portugal, uma parte passando por Santarém e depois por Badajoz; outra rumando a norte e leste, através da Beira.
No campo de batalha, morreram cerca de 1000 portugueses. O exército castelhano contabilizou 4000 mortos e 5000 prisioneiros. Nos dias que se seguiram, terão sido mortos pela população portuguesa cerca de 5000 homens de armas castelhanos. Castela mergulhou num luto profundo até ao Natal de 1387.
Consequências da Batalha de Aljubarrota:
Embora o tratado de paz final com Castela só tenha sido assinado em 1411, em Ayllón (Segóvia), o desenlace da batalha de Aljubarrota foi uma pedra angular na garantia da independência do reino de Portugal, tornando possível o desenvolvimento de fenómenos inovadores na vida coletiva do País.
Em primeiro lugar, frustrou as pretensões do rei de Castela ao trono português. Aljubarrota evitou, muito provavelmente, que Portugal fosse absorvido para sempre pelo seu poderoso vizinho castelhano. Nos campos de Aljubarrota assegurou-se a independência de Portugal e sancionou-se a legitimidade da Dinastia de Avis.
Em segundo lugar, sem Aljubarrota o orgulho que temos numa história largamente centenária, configurando o estado português como uma das mais vetustas e homogéneas criações políticas do espaço europeu, não seria hoje possível.
Em terceiro lugar, tornou possível o estabelecimento de um novo tratado de aliança luso-britânico, que foi assinado em Windsor, em maio de 1386. Em consequência desse Tratado, D. João I recebeu por esposa D. Filipa de Lencastre, filha do Duque de Lencastre, concretizando a união entre as casas reais portuguesa e inglesa.
Em quarto lugar, Portugal suspendeu, no essencial, o objetivo de expansão para norte e para leste, à custa de Castela, que tinha sido alimentado nos conflitos fernandinos. A circunstância da paz com Castela permitiu uma relativa estabilização das fronteiras terrestres de Portugal.
Em quinto lugar, resolvido o problema militar e de independência com Castela, o País pôde reorientar as suas prioridades. Poucos anos depois de firmada a paz definitiva com Castela iniciava-se a primeira etapa da expansão marítima, com a conquista de Ceuta em 1415. Portugal iniciava a Época dos Descobrimentos Marítimos, onde conheceu algumas das páginas mais brilhantes da sua História.
Em conclusão, a Batalha de Aljubarrota proporcionou definitivamente a consolidação da identidade nacional, que até então se encontrava apenas em formação, e permitiu às gerações futuras portuguesas a possibilidade de se afirmarem como nação livre e independente.